terça-feira, 8 de janeiro de 2019

UM GRITO DEIXADO NO AR: o Suicídio (inclusive de pastores) (3ª Parte)

Escrever ou falar sobre suicídio é algo profundamente desafiador. Sem dúvida, é uma situação de vulnerabilidade psicológica pouco entendida e ou tratada no meio cristão. É um “silêncio gritante” que se expõe como uma máscara hipócrita de religiosidade envernizada. Máscara que, para o que sofre se torna lancinante dor. Máscara que, no fundo, apenas encobre a dor desesperadora misturada a sentimentos inenarráveis de vergonha, de estigma infamante... de silêncio de “um grito deixado no ar” ao se tornar em ato mórbido.

Há que se entender que a probabilidade do ato mórbido tem variáveis em atos, muitas vezes contínuos. Variáveis de pessoa para pessoa, de situação para situação, de complexidades diferentes. O ideário é variável: a) surgimento de pensamentos sobre a possibilidade de cometimento do ato suicida; b) gestos autodestrutivos pré-suicidas em várias tentativas; c) a consumação suicida com a morte. O que vem à tona, em face de repercussão negativa, é a consumação do ato. Todavia, há sinais evidentes e progressivos que, ainda, não são levados a sério no meio cristão, mormente o evangélico, em virtude de um entendimento pífio e errôneo sobre o suicídio, suas causas e as questões espirituais bíblicas.

O dedo é, quase sempre, acusatório; sem levar em conta as razões reais que levam alguém ao ato efetivo de tirar a própria vida. Há, claramente, dois ápices que são apresentados ao longo de algum tempo pelo candidato a suicida: a) atos silentes que gritam ao mundo o profundo desejo que tem a pessoa de terminar com seu sofrimento, com sua dor profunda; b) o grito de socorro comunicador do seu sofrimento a todos em derredor. Esses dois gritos, quase sempre, são negligenciados pelos amigos, parentes e, principalmente, pela comunidade cristã. Pior, ultimamente os gritos têm saído da garganta silente e da vida de líderes religiosos. Muitos deles têm tirado a própria vida. Sempre que acontece o que mais se lê é: “vamos orar pela família enlutada”, ou, “que Deus tenha misericórdia”, ou “se a moda pega”, ou tantas outras frases de efeito que nada mais são que hipocrisia religiosa levadas ao extremo. Os dois sinais são evidentes (tratar-se-á disso em outro artigo), mas, o silêncio em vida dos amigos, colegas, familiares e congêneres é hipocritamente doentio.

Colegas de ministério são silentes ao sofrimento alheio. Colegas que se dizem “amigos” somem ao primeiro sinal de discordância. O lamento só vem após o suicídio acontecer. Não atentam – quase sempre propositalmente - para os sinais ápices expostos acima, tais como: repentina dificuldade financeira, desemprego, falta de ministério, baixa do “status” socioeconômico, problemas relacionais no casamento, perda de familiares por morte, doenças terminais ou não. Muitas vezes a pessoa se isola por motivos pessoais ou até por falta de perspectivas futuras na vida... e os amigos, colegas de ministério e familiares passam a ver esses “sinais” como motivos de afastamento, quando deveriam ser exatamente o contrário. Nem de longe entendem a mensagem da cruz e o amor de Deus.

O suicídio ainda é um grande tabu social. O desejo de viver é instintivo no ser humano, pois a vida é tida como bem maior. É inerente ao ser humano o preservar da vida, mesmo em meio ao caos, as doenças, as crises. Isso é divino. Todavia, esse princípio é violentado pelo suicida. Portanto, é exceção. Como exceção há muitas e variadas causas... cujos gritos são dados por períodos muitas vezes prolongados. Esses gritos é que precisam ser ouvidos e tratados... antes que reste apenas “um grito deixado no ar”. A vida é transitória, finita. A morte de uma pessoa idosa é algo natural, pois há a consciência coletiva dessa realidade. Mas, o suicídio não é natural. É uma antecipação não natural do tempo de vida. As indagações são maiores quando o suicida é um adolescente, um jovem ou um adulto não macróbio. No dizer popular: “jogou a vida fora”. Há, naturalmente, aquele sentimento de impotência dos amigos e parentes. Impotência pela consciência de que perceberam os sinais... e não fizeram nada. Aí surgem as divagações...

O ser humano é potencialmente feito – ou criado - para uma vida plena. É dotado de alta capacidade de amar, de criar, de crer. Crer no sentido da fé... não filosófica. Sem possibilidade de amar e sem fé em valores concretos que o façam progredir espiritualmente e serem criativos com relação a si mesmos e ao próximo, tende a fugir da realidade. Em outras palavras, o ser humano nasceu dotado de valores internos que o impulsionam à fé e ao amor. Esses fatores são motivacionais ao extremo. A perda da fé traz a perda do amor e a consequente depressão. Sem fé e sem amor não há vida que valha a pena ser vivida... é a consequência natural no pensamento suicida.

Inexiste fator único para o suicídio. É um fenômeno altamente complexo que se traduz na fuga da vida. Todos esses fatores acabam levando a um imenso vazio de alma. Vazio existencial motivado por frustrações diversas, tédio e aquela sensação de que a vida não vale a pena ser vivida, pela falta de vislumbre de futuro alegre, feliz. Mas, então, porque religiosos (pastores, padres, missionários e outros) se suicidam? E como fica a certeza de um futuro com Deus na eternidade? Complexo isso! Dentre todos os fatores já citados – são multidimensionais – talvez, o que mais acomete a classe religiosa é a depressão que, aliás, é oriunda, também, de múltiplos fatores. É sobre a depressão como fator suicida que serão os próximos textos. Até lá.



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