Escrever ou falar sobre suicídio é algo profundamente
desafiador. Sem dúvida, é uma situação de vulnerabilidade psicológica pouco
entendida e ou tratada no meio cristão. É um “silêncio gritante” que se expõe
como uma máscara hipócrita de religiosidade envernizada. Máscara que, para o
que sofre se torna lancinante dor. Máscara que, no fundo, apenas encobre a dor
desesperadora misturada a sentimentos inenarráveis de vergonha, de estigma
infamante... de silêncio de “um grito deixado no ar” ao se tornar em ato
mórbido.
Há que se entender que a probabilidade do ato mórbido
tem variáveis em atos, muitas vezes contínuos. Variáveis de pessoa para pessoa,
de situação para situação, de complexidades diferentes. O ideário é variável:
a) surgimento de pensamentos sobre a possibilidade de cometimento do ato
suicida; b) gestos autodestrutivos pré-suicidas em várias tentativas; c) a
consumação suicida com a morte. O que vem à tona, em face de repercussão
negativa, é a consumação do ato. Todavia, há sinais evidentes e progressivos
que, ainda, não são levados a sério no meio cristão, mormente o evangélico, em
virtude de um entendimento pífio e errôneo sobre o suicídio, suas causas e as
questões espirituais bíblicas.
O dedo é, quase sempre, acusatório; sem levar em conta
as razões reais que levam alguém ao ato efetivo de tirar a própria vida. Há,
claramente, dois ápices que são apresentados ao longo de algum tempo pelo
candidato a suicida: a) atos silentes que gritam ao mundo o profundo desejo que
tem a pessoa de terminar com seu sofrimento, com sua dor profunda; b) o grito
de socorro comunicador do seu sofrimento a todos em derredor. Esses dois
gritos, quase sempre, são negligenciados pelos amigos, parentes e,
principalmente, pela comunidade cristã. Pior, ultimamente os gritos têm saído
da garganta silente e da vida de líderes religiosos. Muitos deles têm tirado a
própria vida. Sempre que acontece o que mais se lê é: “vamos orar pela família
enlutada”, ou, “que Deus tenha misericórdia”, ou “se a moda pega”, ou tantas
outras frases de efeito que nada mais são que hipocrisia religiosa levadas ao
extremo. Os dois sinais são evidentes (tratar-se-á disso em outro artigo), mas,
o silêncio em vida dos amigos, colegas, familiares e congêneres é
hipocritamente doentio.
Colegas de ministério são silentes ao sofrimento
alheio. Colegas que se dizem “amigos” somem ao primeiro sinal de discordância.
O lamento só vem após o suicídio acontecer. Não atentam – quase sempre
propositalmente - para os sinais ápices expostos acima, tais como: repentina
dificuldade financeira, desemprego, falta de ministério, baixa do “status”
socioeconômico, problemas relacionais no casamento, perda de familiares por
morte, doenças terminais ou não. Muitas vezes a pessoa se isola por motivos
pessoais ou até por falta de perspectivas futuras na vida... e os amigos,
colegas de ministério e familiares passam a ver esses “sinais” como motivos de
afastamento, quando deveriam ser exatamente o contrário. Nem de longe entendem
a mensagem da cruz e o amor de Deus.
O suicídio ainda é um grande tabu social. O desejo de
viver é instintivo no ser humano, pois a vida é tida como bem maior. É inerente
ao ser humano o preservar da vida, mesmo em meio ao caos, as doenças, as
crises. Isso é divino. Todavia, esse princípio é violentado pelo suicida.
Portanto, é exceção. Como exceção há muitas e variadas causas... cujos gritos
são dados por períodos muitas vezes prolongados. Esses gritos é que precisam
ser ouvidos e tratados... antes que reste apenas “um grito deixado no ar”. A
vida é transitória, finita. A morte de uma pessoa idosa é algo natural, pois há
a consciência coletiva dessa realidade. Mas, o suicídio não é natural. É uma antecipação
não natural do tempo de vida. As indagações são maiores quando o suicida é um
adolescente, um jovem ou um adulto não macróbio. No dizer popular: “jogou a
vida fora”. Há, naturalmente, aquele sentimento de impotência dos amigos e
parentes. Impotência pela consciência de que perceberam os sinais... e não
fizeram nada. Aí surgem as divagações...
O ser humano é potencialmente feito – ou criado - para
uma vida plena. É dotado de alta capacidade de amar, de criar, de crer. Crer no
sentido da fé... não filosófica. Sem possibilidade de amar e sem fé em valores
concretos que o façam progredir espiritualmente e serem criativos com relação a
si mesmos e ao próximo, tende a fugir da realidade. Em outras palavras, o ser
humano nasceu dotado de valores internos que o impulsionam à fé e ao amor.
Esses fatores são motivacionais ao extremo. A perda da fé traz a perda do amor
e a consequente depressão. Sem fé e sem amor não há vida que valha a pena ser
vivida... é a consequência natural no pensamento suicida.
Inexiste fator único para o suicídio. É um fenômeno
altamente complexo que se traduz na fuga da vida. Todos esses fatores acabam
levando a um imenso vazio de alma. Vazio existencial motivado por frustrações
diversas, tédio e aquela sensação de que a vida não vale a pena ser vivida,
pela falta de vislumbre de futuro alegre, feliz. Mas, então, porque religiosos
(pastores, padres, missionários e outros) se suicidam? E como fica a certeza de
um futuro com Deus na eternidade? Complexo isso! Dentre todos os fatores já
citados – são multidimensionais – talvez, o que mais acomete a classe religiosa
é a depressão que, aliás, é oriunda, também, de múltiplos fatores. É sobre a
depressão como fator suicida que serão os próximos textos. Até lá.
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