sábado, 1 de junho de 2019

A NATUREZA TEANTRÓPICA DE CRISTO (série Doutrinas III)

O dicionário Houaiss diz que teantropia é “parte da teologia que se ocupa de Deus feito homem”. Definição bem rasa. Nos quatro últimos concílios para ordenação de pastores que este autor esteve presente, perguntei ao candidato: “explique a natureza teantrópica de Cristo”. Nenhum deles sabia, ao menos, o que significava “natureza teantrópica” de Cristo. Falta de conhecimento das línguas originais bíblicas, despreparo na etimologia das palavras na língua nativa e o baixo nível de instrução oferecida por inúmeros cursos de teologia pátria afora.

A intenção deste escrito não é dirimir dúvidas ou dar a palavra final. Isso seria absolutamente impossível. Não existe consenso, nem mesmo entre os de pensamentos semelhantes e ou da mesma denominação evangélica.  A intenção é trazer o pensamento sobre o assunto ao longo da história e, também, uma tentativa de descobrir aquilo que a Bíblia diz. Claro que, no final, um posicionamento pessoal, que pode ser o correto ou não. Só Deus poderá dizer.

Como premissa partideira, o assunto é a união hipostática (filosoficamente falando) da pessoa de Jesus Cristo. Filosoficamente, hipóstase (do grego hypo = sub, debaixo;  e, stasis – o que está, o subposto, o suporte). Empregado para indicar a subsistência de algo. É um conceito metafísico afirmativo de que a substância é “possuidora de si mesma”, ou seja, algo cuja substância subsista por si mesma em seu próprio ser. Confuso? Muito. Tomás de Aquino (e os escolásticos) afirmava que as hipóstases são as substâncias individuais e primeiras e, nesse sentido, considerava as “três pessoas da trindade” como substancialmente distintas e, na união hipostática, essas substâncias (as três pessoas) se tornavam num só Deus. Pejorativamente, esse conceito passou a designar uma entidade fictícia falsamente considerada como realidade que existe fora do pensamento (JAPIASSU e MARCONDES, 2008). 

Jesus, o Cristo, sendo Deus (Filipenses 2:6-7), fez-se homem tomando a natureza humana, unindo o divino e o humano em um só ser. Duas naturezas inseparavelmente unidas, conquanto sem confundir uma com a outra; tornou-se Deus-homem. Completamente Deus e, ao mesmo tempo, completamente homem. Identidades separadas... naturezas essencialmente imbricadas.

Teologicamente, o que significa teantropia? Vem da junção de duas palavras gregas: Theos (Θεοσ = Deus) e, com a inicial maiúscula faz referência ao Deus Jeová de Israel + Antropos (ανθρωποσ = homem ou ser humano). Isso significa falar de Jesus substância única, ou seja, “aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade” (João 1:14 NVI). Teantropia é, pois, a perfeita união de duas naturezas em uma pessoa apenas, tornando-a divino-humana. Embora haja divergências entre os teólogos, a teantropia faz relação direta com Jesus, o filho de Maria e não às naturezas de Cristo. Dessa forma, Jesus é pessoa ímpar e única a ter duas naturezas, tornando-se autorrevelação de Deus aos homens. Sendo Deus-homem, na sua humanidade tornou-se a manifestação da perfeição e idealidade humana.

Biblicamente, Jesus (Deus-homem) sempre se refere a si mesmo como pessoa única. Na única referência existente (João 3:11), provavelmente o “nós” fazia referência a Jesus e os discípulos. Diferentemente de quando Jesus fazia menção da Triunidade, quer com o Pai (João 17) ou com o Espírito Santo (Lucas 4:18; João 16:13-15). O estudante da Bíblia, cujo autor da sua fé é o próprio Cristo, pela ação do Espírito Santo, entende que esse terreno é escorregadio e, muitas vezes, uma questão de fé. Biblicamente, o princípio teantrópico se assenta no fato de que essa natureza (divino-humana) é orgânica e indissoluvelmente unida na pessoa de Cristo (veja Romanos 1:3-4; I Timóteo 2:5; Hebreus 1:2-4 e outros). Por isso, pode-se afirmar que, tendo duas naturezas imbricadas, possuía apenas uma personalidade (hipóstase); ou seja, o divino-humano não sofria fragmentação ou variação no seu ser. A isso se dá, também, o nome de UNIPERSONALIDADE de Cristo.

O próprio Jesus afirmou que existia antes de Abraão (João 8:57-58) e a Bíblia informa que Ele nasceu no reinado de César Augusto (Lucas 2:1-14). A Bíblia diz que Jesus cansou-se e adormeceu, que chorou, que teve fome e comeu, que sofreu e que morreu... como homem. Também afirma que Ele é o mesmo ontem, hoje e eternamente (Hebreus 13:18); também, que sempre existiu e a tudo criou (João 1:1-3; Colossenses 1:15-20).

Por que, então, tanta divergência entre as denominações no entendimento da natureza teantrópica de Cristo? Há muitos que apregoam que o Cristo que morreu na cruz não pode ter sido um homem e sim Deus. Por quê? Dizem que, como homem, não aguentaria tudo aquilo e, por isso, às vezes era homem e, às vezes, era Deus.

É preciso registrar, também, que há uma forte corrente cristã que apregoa que a natureza de Cristo não é teantrópica. A explicação é a seguinte: a pessoa de Cristo é teantrópica... mas, não a Sua natureza. Deus-homem é algo que se pode afirmar quanto à pessoa de Cristo. O mesmo não seria possível, quando se faz referência da natureza de Cristo (divino-humana). Essa linha de doutrina concebe, pois, a natureza divina e a natureza humana... juntas, mas, separadas. A explicação lógica é que Cristo tinha uma inteligência e vontade infinitas, como divino; e uma inteligência e vontade finitas, como humano. Havia nEle uma consciência divina e outra humana. A inteligência divina era infinita e a humana era desenvolvida. A vontade do Jesus divino era onipotente e a vontade humana tinha, apenas, o poder da humanidade decaída.  Uma explicação bíblica para essa visão está no fato de Cristo ter afirmado “Eu e o Pai somos um”; entretanto, em sua vontade humana ele disse “tenho sede’. Se o leitor tiver interesse de estudar este ponto de vista, basta ler Dr.Henry Clarence Thiessen.

E desde quando vem essa controvérsia? Abaixo, algumas poucas informações históricas sobre a origem dessas discordâncias.

    1. Tudo começou com os Ebionitas.

Eles eram judaizantes, grupo cristão dissidente presente no judaísmo do primeiro século, tendo o maior núcleo em Jerusalém. Insistiam na necessidade da observância da lei de Moisés para os neo-conversos judeus e, também, para os gentios. Circuncisão e guarda do sábado não abriam mão. Provavelmente, o nome vem do termo hebraico “ebyônîm” que fazia referência ao estado de pobreza. Embora não haja certeza absoluta, parece que a seita começou após a destruição do templo em 70 d.C, sob a liderança de Ebion. Eram, basicamente, ascetas; sendo literalistas de Mateus 5:3 e Lucas 4:18. Por causa disso, tinham como Escritura apenas a “Tanach” (Bíblia Judaica) e o evangelho de Mateus. Rechaçaram completamente os ensinos de Paulo; logicamente porque Paulo desautoriza os ensinos de Ebion. Eles tinham, também, um evangelho próprio, segundo o bispo de Constância Epifânio; denominado de “evangelho dos ebionitas”.

Os Ebionitas não aceitavam a divindade de Jesus e o tinham como, apenas, um profeta. Diziam que Jesus era um novo Moisés. Negavam totalmente sua preexistência, encarnação e nascimento virginal. Para eles, Jesus era totalmente humano, como qualquer dos profetas do Antigo Testamento. Isso explica o porquê de tantos judeus “conversos” nunca terem se desvencilhado do “Toráh” e suas leis e abraçarem inteiramente o evangelho da graça. Por causa dessa interpretação judaizante, Paulo foi perseguido e tantos ainda esperam um novo “Messias” como líder libertador e, até, rei mundial sob a bandeira de Israel. Há uma corrente de estudiosos que assevera que os ebionitas se dividiam em duas classes: os ebionitas judeus e os ebionitas gnósticos.

    2. Gnosticismo

Inversamente aos ebionitas, os gnósticos não criam na humanidade de Cristo. Ebionitas e gnósticos começaram a interpretar erradamente os ensinos de Cristo e dos apóstolos. Os gnósticos, especialmente, a partir do contato com a filosofia grega. O cristianismo passa a ser interpretado à luz da filosofia gnóstica grega. Tal filosofia dizia que só era possível entender os fatos a partir do intelecto ou conhecimento (a gnose). Em outras palavras, só era possível chegar até Deus pelo conhecimento ou capacidade intelectiva. O apóstolo João foi o grande defensor do evangelho genuíno de Cristo e acusador do gnosticismo. Havia o gnosticismo judeu e o cristão. O primeiro vicejou na prática da cabala judaica, com pouquíssima influência bíblica. O segundo aconteceu na tentativa de evangelização do mundo greco-romano. O gnosticismo cristão entrou em rota de colisão com as doutrinas neotestamentárias e, logo, formaram seitas separatistas. De forma geral o gnosticismo não aceitava a encarnação de Cristo, nem sua ressurreição. Negaram, como divinos, alguns livros do Antigo Testamento, tendo incluído em seus escritos literatura gnóstica.

Os gnósticos tinham conceitos específicos sobre a origem do mal. Ora, Deus é a fonte do bem, mas o mal existe. Então, a origem do mal está fora de Deus e, também, independente dEle. Por consequência, Deus é a fonte de todas as existências espirituais. Os gnósticos criam, também, que a matéria é má e o mal surge da matéria. Então, o mundo – que é mal – não foi criado por Deus, mas, por um espírito inferior (o Demiurgo). O ser humano era um espírito da parte de Deus com um corpo material e alma animal. Era a união do espiritual com o material (bom e mal, juntos). Assim, o espírito, que é bom, contamina-se com o material; que é mal e escraviza-se. Ora, para redenção desse corpo ruim escravizado Deus enviou Cristo, uma das mais elevadas emanações de Deus em aparência de homem. Por quê? Porque seria impossível que Jesus se humanizasse sem se contaminar. Como resolver isso? Eis o que arrumaram: a) Cristo não tinha corpo real, ou seja, era mera aparência, sem substância. Daí surgiu o termo “docetista” (do grego (δοκεω = aparentar, parecer ser). Toda vida de Cristo na terra teria sido mera ilusão (negavam seu nascimento, sofrimento ou morte); b) Cristo tinha corpo real, porém, não material. Seu corpo teria sido formado de substância etérea e enviado ao mundo pelo próprio Deus.

Ainda havia outro grupo que dizia ser Jesus um e Cristo outro. Distintos entre si. Jesus era o filho de José e Maria, Cristo era um espírito que desceu sobre Jesus, vindo de Deus, na hora do seu batismo. Esse Espírito é que o tornou poderoso e milagreiro. Neste caso, no seu sofrimento na cruz, Cristo voltou ao céu e deixou Jesus para sofrer. Basta um olhar em João e Paulo para se perceber o quanto os apóstolos combateram o gnosticismo, reafirmando a natureza teantrópica de Cristo. 

   3. A deturpação continua: os Arianos.

Seguidores de Árius, presbítero em Alexandria, provavelmente nasscido por volta de 280 d.C. Conseguiu muitos seguidores. Negava que Deus e Jesus seriam iguais. Afirmavam que só há um Deus e que Cristo seria, apenas, filho criado por Deus. Por isso, seria alguém num estágio superior aos humanos... mas, não Deus. Por isso, embora superior e elevado, era apenas criatura. Por essa época a igreja ainda estava tateando com suas doutrinas. A questão da Triunidade era intensamente discutida. Como Deus poderia ser Uno e Trino ao mesmo tempo? Os arianos propunham que o Cristo pré-existente, afirmado pela Bíblia, não podia ser diferenciado de toda a criação. Sendo assim, Cristo seria o primeiro dos seres humanos criados e, por meio do qual, as outras coisas foram criadas. Por isso, era o “Logos” criador. Criam, por isso, que Cristo veio a existir antes do tempo cronológico (Kronós), visto que o tempo “kronós” teve seu início com a criação (o quarto ato criativo de Deus = Gênesis 1:14-19). Nessa linha de pensamento filosófico da lógica grega, Cristo começou a existir a partir do “não existente” pela vontade criativa de Deus, ou seja, antes desse ato divino “Ele não era”. Para simplificar: Assim como “no princípio Deus criou (Baráh)” do nada; Jesus também foi criado do “não existente”.  Tantos séculos depois disso, e ainda há muita confusão.

    4. A negação da integridade ou integralidade da natureza de Cristo: os Apolinários

Designação dada aos seguidores de Apolinário de Laodicéia (não confundir com Apolinário Cláudio, bispo de Hierápolis e autor de “Apologias”, no início do cristianismo). Apolinário (315-392), bispo de Laodicéia, na Síria; colaborando com seu pai (Apolinário, o Velho), reproduziu o Antigo Testamento em formato de poesia homérica e pindárica (ao estilo do poeta grego Píndaro) e  Novo Testamento em formato de diálogo platônico em virtude do imperador Juliano (o apóstata) ter proibido os cristãos de ensinarem os clássicos.

Em seu desejo de enfatizar a divindade e unicidade de Jesus, Apolinário negou a existência de uma alma humana racional na natureza humana de Cristo. Essa alma seria substituída nEle pelo “Logos”; assim, seu corpo seria uma forma espiritualizada e glorificada de humanidade. Diferentemente das escolas anteriores, não havia a negação da natureza humana de Cristo, mas a negação da sua integridade. A situação ficou confusa.

Afirmavam a humanidade verdadeira de Cristo adotando a distinção platônica entre “soma” (σωμα=corpo) e “psique” (ψυχη=alma) e “pneuma” (πνευμα=espírito) como três princípios (ou seres) distintos na sua constituição. Era a admissão de que Jesus tinha um corpo verdadeiro (soma) e uma alma (psiquê) animal... mas, não um espírito/mente racional (pneuma).  Em Cristo (o Logos = filho eterno) supriu o lugar da racionalidade (a inteligência humana). Era a negação da integridade/integralidade de Jesus. Por que chegaram a essa conclusão?

Não podiam conceber que duas naturezas completas pudessem se unir a uma vida consciente. Se Ele é Deus, tem inteligência e vontade soberanas. Se é homem, mesmo que perfeito, tem uma inteligência finita e sua vontade sempre será humana. Assim, é impossível que o divino e o humano sejam uma só pessoa. Não negavam, pois, ao Jesus humano, nem ao divino... mas, a sua integralidade.

HODGE (2001) complementa o pensamento apolinariano, trazendo outra indução dessa doutrina, defendida pelos pais platonistas: a razão do homem é parte do “Logos” divino (ou razão universal). A conclusão lógica é de que, para eles, a diferença de inteligência entre Deus e o ser humano é, apenas, quantitativa. A lógica segue adiante, pois, assim, como poderia haver em Cristo – ao mesmo tempo – uma parte e o todo do “Logos”. É pura questão de lógica platonista grega. Todavia, na verdade do evangelho, como diz Paulo “Deus escolheu o que para o mundo é loucura para envergonhar os sábios...” (I Coríntios 1:27a) e ainda “onde está o sábio? Onde está o erudito? Onde está o questionador desta era? Acaso não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo?” (I Coríntios 1:20). A doutrina apolinariana foi condenada no concílio de Constantinopla em 381 d.C.

    5. A heresia nestoriana do século V d. C.

Também conhecida como heresia diofisita (das duas naturezas) continha a ideia da distinção entre as duas naturezas de Cristo. Na verdade, restrita ao eruditismo, a doutrina nasceu com Diodoro de Tarso e Teodoro Mopsuestia em Antioquia. Ela se alastrou para o meio da igreja com Nestório, Patriarca de Constantinopla entre 428 e 431 d.C., pela intensidade da sua defesa. Segundo essa teoria, as naturezas - divina e humana - eram separadas em Cristo. Por isso, Maria, sua mãe humana, não poderia ser tida como “mãe de Deus”. Segundo Nestório, o termo grego para mãe de Deus (Theotokos) não deveria ser usado e sim “mãe de Cristo” (Christokos). Motivo? Maria gerara um homem chamado Jesus, a quem o Verbo de Deus veio a estar temporariamente unido. Claramente, a doutrina pregava a desunião entre as naturezas humana e divina de Jesus e ensinava que Jesus passou a ser Deus em um momento específico da história... portanto, nem sempre foi Deus.

Apenas por força de comparação, essa doutrina ensinava que Cristo tinha duas naturezas bem distintas: uma humana e outra divina e, ambas, seriam completas e amalgamadas entre si. Seriam essas duas naturezas do tipo gêmeas siameses, ou seja, juntas... porém, diferentes. Um olhar mais profundo e teológico pode verificar claramente que Nestório confundiu natureza com pessoa. Era como se Jesus tivesse personalidade dupla. O “Logos” divino habitava o homem Jesus, simplesmente, assim como o Espírito Santo de Deus habita o homem ao recebê-lo pela fé.

   6.  O monofisitismo de Êutico.

Conhecidos como eutiquianos, do século V, seguiam a Êutico ou Eutiques, zeloso ciriliano. Foi monge de Constantinopla e defensor do monofisismo (doutrina que refutava que Jesus tinha duas naturezas completas). Sua doutrina levou a que deificasse a humanidade de Cristo, negando que seu corpo fosse da mesma natureza que o ser humano. Afirmou que, após a encarnação, existia somente uma natureza em Cristo e que, não era completamente humana, nem completamente divina. Jesus seria a união misturada de duas naturezas, culminando em uma terceira natureza que, em latim é tertium quid. Esse termo é associado a alquimia e vem do latim como tradução do grego “triton ti”, significando “terceira coisa”. Simplificando, esse terceiro elemento é “não identificado”, mas que está em combinação com dois conhecidos. Isso significa que não existiam duas (divina e humana), mas, apenas uma natureza em Cristo: a terceira.  Essa única natureza (fundição da divina e da humana) depois da encarnação, significava que Cristo não seria humano.

    7. A cristologia ortodoxa: Concílio de Calcedônia

O concílio aconteceu em 451. A motivação era encerrar a controvérsia entre Antioquia e Alexandria sobre a natureza de Cristo. Embora a definição tenha saído, a polêmica continuou mais acirrada e, de alguma forma, persiste até hoje. Boa parte da controvérsia aconteceu na igreja oriental. A ocidental só se mobilizava quando forçada por algum imperador; o que mostra, naquela época, a ingerência política sobre a igreja. Ao invés de soluções... complicações.

Sucintamente, Calcedônia definiu que na pessoa de Jesus Cristo havia duas naturezas: a humana e a divina, cada uma na sua integralidade e plenitude. As duas naturezas estariam unidas de forma orgânica e indissolúvel. Embora as discordâncias continuem a existir, principalmente, com o advento da Reforma Protestante, a definição do Concílio de Calcedônia tem sido usada como padrão ortodoxo do ensino da Bíblia sobre Cristo, nas várias vertentes do cristianismo. Abaixo, uma tradução integral da decisão de Calcedônia:

“Fiéis aos santos pais, todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar um só e mesmo Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito quanto à divindade, e perfeito quanto à humanidade; verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, constando de alma racional e de corpo, consubstancial com o Pai, segundo a divindade, e consubstancial a nós, segundo a humanidade; em tudo semelhante a nós, excetuando o pecado; gerado segundo a divindade pelo Pai antes de todos os séculos, e nestes últimos dias, segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação, nascido da virgem Maria, mãe de Deus; um e só mesmo Cristo, Filho, Senhor, Unigênito, que se deve confessar, em duas naturezas, inconfundíveis, imutáveis, indivisíveis, inseparáveis; a distinção de naturezas de modo algum é anulada pela união, antes é preservada a propriedade de cada natureza, concorrendo para formar uma só pessoa em uma subsistência; não separado nem dividido em duas pessoas, mas um só e o mesmo Filho, o Unigênito, Verbo de Deus, o Senhor Jesus Cristo, conforme os profetas desde o princípio acerca dele testemunharam, e o mesmo Senhor Jesus nos ensinou, e o credo dos santos pais nos transmitiu”

   8. Meus alfarrábios. Nisto creio...

A unipersonalidade ou natureza teantrópica de Cristo vai muito além da razão humana. A Bíblia é racional... mas, acima de tudo um livro de fé. Quando a Bíblia começa, está escrito: “No princípio Deus criou...”! Acredite, se quiser. Não há explicações, não há biografia, não há convencimento. Simplesmente o autor afirma que Deus criou... e ponto final. A doutrina da unipersonalidade de Cristo transcende a razão humana. O todo não cabe na parte, o universo não cabe num planeta. Só a fé e a aceitação da autoridade da Palavra de Deus fazem o cristão descansar na realidade de que Deus se fez carne e habitou entre os homens.

Jesus, certa vez, questionou seus discípulos: “E vocês” perguntou Ele. “Quem vocês dizem que eu sou?” (Mateus 16:15 NVI). Esse questionamento foi e continua sendo a pergunta crucial do cristianismo. O entendimento de quem é Jesus é uma questão de salvação ou perdição eterna. Afinal, o discípulo amado afirmou que a vida eterna dependia do conhecimento de Jesus como “...único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (João 17:3). Então, é de fundamental importância o que a Bíblia, inspirada por Deus e inerrante, diz.

À pergunta de Cristo, Pedro confessa que “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo” (Mateus 16:16). Além de Pedro, João afirmou que Jesus é a “Palavra que tornou-se carne e viveu entre nós” (João 1:14). Paulo, o apóstolo, asseverou que Jesus “é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação, pois nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis (...) Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste” (Colossenses 1:15-17); identificando-o como Deus. Ao mesmo tempo, identifica-o como homem (I Timóteo 2:5).

Independente de quem seja o autor aos Hebreus, Jesus é descrito como Deus e como homem (veja Hebreus 1:3 e 2:14). Ainda João explica a visão de Isaías 6:1-10 e 53:1-12, dizendo que Isaías viu o próprio Jesus como Deus e como homem. O próprio Jesus se autoafirmou Deus em João 8:54-58, causando fúria aos judeus. No mesmo evangelho aos gentios, Jesus se proclama divino e, também humano: “pão da vida” (João 6:48); “bom pastor” (10:11); “ressurreição e vida” (11:25); “luz do mundo” (8:12); “a porta” (10:9); “caminho, verdade e vida” (14:6); “videira verdadeira” (15:1). Em 14:6, além de se autoproclamar caminho, verdade e vida, diz que “ninguém vem ao Pai, a não ser por mim”; claramente como partícipe da divina triunidade.

Doutra feita, Jesus teve um entrevero com os judeus que ilustra essa verdade. Em João 8:40, após a afirmação dos judeus de que Abraão era o pai deles, Jesus diz: “mas vocês estão procurando matar-me, sendo que eu lhes falei a verdade que ouvi de Deus; Abraão não agiu assim”. O “eu” do “eu lhes falei”, foi traduzido de uma palavra grega que significa “homem”
. Claramente Jesus se apresenta como humano. Já no verso 58 Jesus afirma que: “... antes de Abraão nascer, Eu Sou”; agora se apresentando como Deus. No mesmo diálogo, com as mesmas pessoas, Jesus se apresenta como homem e como Deus. 

Assim, a doutrina bíblica descreve Jesus Cristo, o Deus Filho, tomando para si a natureza humana e, concomitante, permanecendo totalmente Deus. Jesus, o Cristo, sempre foi Deus, conforme diz JOÃO 8:58 e 10:30). Por amor à humanidade, querendo e precisando salvá-la fez-se carne (João 1:14). A humanização de Cristo, fê-lo Jesus, o Deus-homem. Totalmente Deus e totalmente homem. Naturezas inseparáveis. A humanidade e a divindade não se misturam... mas, se unem sem a perda de suas identidades.

Há de se entender que esses termos teológicos (teantrópica, hipostática e unipersonalidade) é, apenas, uma tentativa de entender como Jesus, o Filho de Deus, é dois e um: Deus-homem. É totalmente impossível ao ser humano entender cabalmente a maneira de Deus agir. O homem é limitado e finito. Deus é onipotente, onisciente e onipresente. Não há como entender Deus totalmente, a não ser à medida da sua autorrevelação em Jesus Cristo, o Deus-homem. Jesus sempre foi Deus, todavia, se tornou ser humano na sua concepção por Maria.

Conclusão.

O assunto sempre será controverso. Este escrito não teve intenção de dirimir dúvidas, apenas apresentar o que este simples mortal e pecador crê a respeito do seu Salvador e Senhor: Jesus, o Deus-homem.  Este se humanizou para viver e se identificar com as dificuldades humanas e fazer propiciação pelos pecados humanos (Hebreus 2:17). Foi isso que fez, pagando na cruz do calvário o pecado de todos nós (Filipenses 2:5-11).

Muitos o têm como um ser humano apenas. Outros, que foi grande profeta. Outros, continuam entendendo que Deus jamais poderia ser um humano. Entretanto, a Bíblia, Palavra de Deus inspirada, une a divindade e a humanidade de Jesus, mostrando que Cristo era Deus e, humanizado veio para salvar todos que O aceitassem como Senhor e Salvador. Eu aceitei, pela fé, Jesus Cristo, o Deus-homem. A Ele toda honra, toda glória, para todo o sempre! Amém.

OBS.  Algumas questões ainda precisam ser levantadas e serão no próximo artigo, se Deus assim permitir.
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BROWN, R. A Comunidade do Discípulo Amado, Nova coleção Bíblica n° 17, Paulinas, São Paulo 1984.

CASONATTO, O. D. Em Busca de Chave de Leitura do Evangelho e das Cartas do Apóstolo João. Passo Fundo, Ano IX, n 35, Nov. 1994, pág. 23-32.

HODGE. Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos. 2001. PP. 779-781.

JAPIASSÚ. Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.



6 comentários:

  1. Não encontramos tão rica literatura teológica a respeito da natureza divina humana de Cristo, assim com tanta profundidade no decurso do dia a dia.
    Agradeço o comentário e que Deus continue sendo o sustento de exuberante capacidade.

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  2. Obrigado meu irmão. Que Deus continue abençoando-o no crescimento do conhecimento do Senhor Jesus. Abraço

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  3. Que Deus te abençoe pastor,uma benção suas reflexões.

    abraços da Familia GiL,Erika e Isaac.

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  4. CRISTO!
    É desde a eternidade o filho não, irmão!
    Não há um DEUS-Filho, mas um FILHO de DEUS a partir da fecundação do óvulo, PELO VERBO, QUE ÉO PAI!, JEOVAH (Que não é filho!)
    O FILHO
    CRISTO se fez mirtal!
    A Virtude do Altíssimo (YHVH) te cobrirá com a sua sombra (Lc.1:35)
    UNIGÊNITO DO PAI!
    O DEUS DO IMPOSSÍVEL!
    PÔDE SER SEU PRÓPRIO Filho!

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  5. (DESCONSIDERE A PRECIPITAÇÃO anterior)
    CRISTO!
    É desde a eternidade, o filho não! irmão!
    Filho requer ventre!
    CRISTO só terá natureza a partir do ventre!
    DEUS-Filho na ETERNIDADE, antes do principio dos séculos, não há um!
    O FILHO de DEUS a partir da fecundação do óvulo, PELO VERBO, QUE ÉO PAI!, JEOVAH
    (Que não era, ainda, filho!) "ISTO" sim!
    É VERDADE ABSOLUTA, ESCLARECEDORA DEFINITIVA E SALVÍFICA!
    O PAI, APARECIDO! O VERBO! O CRISTO se fez mortal!
    A Virtude do Altíssimo (YHVH) te cobrirá com a sua sombra (Lc.1:35); para ter sombra é corpóreo, não é o Espírito Santo a fecundar o óvulo, mas O PAI!
    UNIGÊNITO DO PAI!
    O DEUS DO IMPOSSÍVEL!
    PÔDE SER SEU PRÓPRIO Filho!
    E REGENERAR-SE DEUS desvencilhando-se da morte!
    Patenteando, com 'ISTO' o seu poder sobre-O-natural.
    O VERBO é desde a ETERNIDADE ELOHIM; Só o Filho tem natureza!
    Ressurreto é, novamente, A PALAVRA!
    Porque 3 são os que testificam no céu
    O PAI invisível, todo envolvente, infinito
    A PALAVRA tabernáculo visível, sintético
    O ESPÍRITO abstrato, penhor em tudo ...
    E estes 3 são UM!
    UM DEUS VISÍVEL é justo concluir!
    Posto que é este o supremo propósito de ELOHIM, para não dar sua glória a outrem.

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  6. Boa noite amado. Faz muito tempo que não entro no blog por estar produzindo outros conteúdos. Peço perdão por não responder. Vou fazê-lo assim que possível. Confesso que suas considerações são, para mim, confusas. Assim que possível, vamos à Bíblia... de forma exegética. Grande abraço e obrigado.

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