terça-feira, 23 de abril de 2019

O QUE É TEOLOGIA. Série Doutrinas (II)

O dicionário Houaiss diz que teologia é “ciência ou estudo que se ocupa de Deus, de sua natureza e seus atributos e de suas relações com o homem e com o universo”. “Ciência de Deus e das coisas divinas” (BOYER, 1986).  Pode-se afirmar que teologia é o estudo da existência de Deus e de questões referentes ao conhecimento dEle e de Sua relação como universo e com os homens. A palavra é de origem grega: “Theós” (Deus) + “Logos” (palavra que revela), por extensão “logia” (estudo). 

Os dicionários de diversas etiologias trazem teologia como “ciência”. Seria a teologia uma ciência? A resposta é: depende do que se entenda por ciência. É a análise do intangível pelo tangível e, também, da capacidade da teologia adequar-se aos critérios científicos humanos exigidos para a cientificidade. A ciência e a pesquisa científica pressupõem objetividade e neutralidade absolutas. Obvio que a teologia tem sua cientificidade própria... mas, seria ciência, no sentido pleno da etimologia? Afinal, ela tem objeto e método próprios. 

Como premissa há que se perguntar: como a ciência e a teologia se relacionam? Afinal, ambas caminham frenéticas em busca de conhecimentos. A ciência tem como objeto a busca em conhecer o mundo físico natural. A teologia tem como objeto conhecer a “realidade última”... ou seria a “realidade princípio”? Busca compreender o Criador e Sua relação com Sua criação: o universo e o ser humano. Claro que aqui entra o que a teologia chama de “autorrevelação” divina. Sem isto, jamais se conheceria Deus, cujo vértice se deu com a encarnação humana de Deus em Jesus Cristo. Com tamanha diferença de objetos, como ciência e teologia podem interagir? 

O conflito é grande. Modernamente a teologia foi alijada da categoria de ciências de forma unilateral. Até a chegada da “modernidade” a teologia se assentava sob a cosmovisão da fé, por intermédio do cristianismo. Com a modernidade, após as revoluções industrial e filosófica e o consequente esfriar da fé cristã, a teologia perde terreno como ciência. Na verdade, como ciência, a teologia tem sido questionada por diversas ciências e, também, pela própria comunidade cristã. O grande medo é a perda e ou esfriamento da fé com o estudar acadêmico. Um dos maiores teólogos e pensadores modernos (1940-2009), pastor luterano na Alemanha afirmou: “A idéia de que a teologia seja uma ciência é negada tanto pela ciência, como também no âmbito da própria teologia” (BRANDT, 1972).

Talvez um dos maiores responsáveis pelo questionamento da teologia como ciência foi o filósofo Alemão (nasceu na Prússia) Immanuel Kant (1724-1804), considerado como o principal filósofo da era moderna. Na verdade foi um gênio da filosofia que transitava na epistemologia (síntese entre o racionalismo e a tradição empírica inglesa), com extrema valorização da indução. Abordou desde a moralidade até a natureza do espaço e do tempo. Promoveu a reunião conceitual entre o racionalismo e o empirismo, mostrando os limites da razão. Kant fez severas críticas daqueles que usavam a razão para provar a existência da alma, de Deus e da origem de todas as coisas. Como tais coisas iam além do limite da razão, não seria possível produzir conhecimento sobre os mesmos. A razão teria que recuar mediante a pretensão da metafísica de “conhecer a coisa em si”. A essa pretensão Kant chamou de “dogmática”. 

Para Kant, Deus estava fora da investigação científica. Deus (alma, etc.) estava na esfera do que denominou “mundo numênico” e não na esfera do “mundo fenomênico”. O fenomênico é verificável, já o numênico não o é. Por essa lógica, Deus não pode ser estudado cientificamente... apenas, a religiosidade. 

Embora não fosse um ateu, a partir dele e seus seguidores, a teologia começou a ficar em outros campos, que não o científico. Em “dialética transcendental”, Kant filosofa sobre o que chamou de “juízos sintéticos” na metafísica. A “coisa em sí” (alma, Deus, Cosmos, por exemplo) não chega ao ser humano pela razão. Então, metafísica e teologia são impossíveis como ciência; pois, não se pode ir além da razão. Por isso, ele denominou de “dogmática”. 

Claramente Kant era pura razão. Mas, Deus e a Sua Palavra, vão muito além da razão. É por isso que Paulo afirma: “Pois a mensagem da cruz é loucura para os que estão perecendo, mas para nós, que estamos sendo salvos, é o poder de Deus. Pois está escrito: ‘Destruirei a sabedoria dos sábios e rejeitarei a inteligência dos inteligentes’. Onde está o sábio? Onde está o erudito? Onde está o questionador desta era? Acaso não tornou Deus louca a sabedoria deste mundo” (I Co. 1:18-20 NVI)? A Bíblia começa com afirmação categórica: “No princípio Deus criou...”; acredite se quiser. A seguir o autor passa a afirmar cada criação de Deus. É uma questão de fé, por isso, acima da razão. 

Então, a pergunta persiste: A teologia é ciência? E, o que é teologia?  Então, a briga passa a ser entre Fé e Razão. Obviamente que há filósofos e cientistas modernos que defendem a teologia como ciência, como Harold Brown (1927-2019). Na maioria, cristãos, obviamente. Este autor não é cientista, nem filósofo. Apenas um livre pensador crítico e estudioso das coisas da Bíblia. Um teólogo e servo de Jesus Cristo, para afirmar a fé. Por isso, a necessidade de completa isenção, embora se saiba que isso é impossível, em termos de fé que, não poucas vezes, vai muito além da mera razão.

Partindo do pressuposto da fé, de que teologia é ciência, ela precisa passar pelo crivo da ciência que, afinal, foi elaborada por mentes humanas, independentes de seus dogmas e fé. Há uma gama gigantesca de pressupostos para comprovação daquilo que é ciência. Depende de cada cientista, de cada pesquisador, de cada linha de pensamento, de cada escola. Neste escrito, a base serão quatro (04) princípios basilares para se mediar a estatura científica de um determinado conhecimento ou área de estudo: 1) O objeto real de estudo; 2) O meio apropriado de estudo; 3) O método usado; 4) A meta suprema: a verdade.

1. O OBJETO DE ESTUDO. Existe objeto concreto de estudo? Qual é ele? Um elemento mitológico pode ser objeto de estudo, apesar de ser crido por muitos? Obviamente que não, pois é fruto da mente humana. O mito não existe concretamente. Se esse pressuposto científico é verdadeiro, então, Deus não é verificável. Deus é maior e além da criação. Creia ou não nEle o ser humano, Ele existe e é inalcançável. Não há como prová-Lo, pois Ele existe fora da subjetividade daquele que tenta defini-Lo. Ele só pode ser conhecido na medida exata da Sua autorrevelação. Ele estabeleceu suas leis, suas regras e, claramente, só pode ser objeto de estudo total à medida que Ele mesmo o permite. Então, humana e cientificamente falando, Ele não pode ser objeto de estudo.

“Theós” (Deus, no grego) + “logos” (palavra que revela) e, por extensão “logia” (estudo). Assim, teologia é estudo sobre Deus e não “ciência de Deus”. Pode o tangível pesquisar o intangível? Pode finito pesquisar o eterno? Pode o pecador pesquisar o santo? Afinal, foi Deus que chamou a existência a todas as coisas. Ora, Deus está muito acima de qualquer conhecimento humano, sendo inatingível. Indo para a Bíblia, que é a palavra da autorrevelação, há de se notar que, embora sendo Deus criador, mantenedor e sustentador de tudo, Ele é um ser pessoal e, por isso, se torna acessível ao se comunicar com suas criaturas. E onde Ele se comunica? Ou, como Ele se comunica? Antes de qualquer coisa, por meio das Escrituras. Nelas estão registradas as Suas revelações ou autorrevelações. Assim, as Escrituras são ou devem ser o objeto de pesquisa, de investigação, de estudo. Ao fazer isso, a criatura poderá conhecer o criador, à medida da permissão dEle.

Um dado interessante. Nas ciências de forma geral, a estudioso se debruça sobre o objeto do seu estudo e o estimula a respostas dentro das leis da natureza. Na teologia, contrariamente, o objeto de estudo está além e acima do estudioso. O pesquisador é dependente do investigado (sic) para ter qualquer informação, pois estas são lhe dadas pelas Escrituras inerrantes e pela ação suprema e independente do próprio Deus, por meio do Seu Espírito. Na ciência, o pesquisador controla o objeto. Na teologia é, exatamente, o contrário.

2. O MEIO APROPRIADO. Não existe ciência sem os meios em conformidade com o objeto. Portanto, o meio para se estudar teologia é diferente para a matemática, diferente para física ou qualquer outra ciência. Ora, se a teologia defende que Deus é ser pessoal, então, o meio apropriado é o pessoal, ou seja, apropriado para o ser humano. Nas ciências, os objetos são observáveis empiricamente, ou seja, o conhecimento vem da experiência e é limitado àquilo que pode ser captado do mundo externo pelos sentidos; ou do mundo subjetivo, pela introspecção. Portanto, o empirismo é a atitude de quem se atém a conhecimentos práticos.

Cientificamente os estudos acontecem por observação, por medição e, modernamente, por computação. Na teologia, onde os dois lados são pessoas, o meio apropriado é a comunicação entre as partes. E, na comunicação, obrigatoriamente há dois elementos: o comunicador e o receptor. Ambos precisam ser claros, objetivos, inteligíveis, confiáveis. Aqui, aparentemente, um beco sem saída: confiança mútua. Como se confiar sem conhecer o objeto? O conhecimento é que adentra na intimidade. Nas questões teológicas é preciso que o estudante, o pesquisador tenha conhecimento e plena confiança naquele a quem pesquisa. A isso, a Bíblia chama de FÉ. Por isso, o autor aos hebreus diz: “Sem fé é impossível agradar a Deus, pois quem dele se aproxima precisa crer que ele existe e que recompensa aqueles que o buscam” (11:6 NVI). Por isso, na teologia, o elemento fé é essencial para que se alcance o conhecimento possível de Deus. Sem crer em Deus, não há como conhecê-lo. Ele vai se desnudando, pela Palavra, à medida do aumentar da fé e o conhecimento vai aumentando. O conhecimento de Deus só é confiável quando há fé. O contrário produz distorções insanáveis. 

3. O MÉTODO. Do grego methodos (caminho ou via) é o meio utilizado para que se chegue ao fim. É o caminho que conduz a alguma coisa. Cientificamente é o conjunto de passos que devem ser seguidos por uma ciência visando alcançar determinado conhecimento válido e verificável por instrumentos confiáveis. O rigor científico do método é que descarta a subjetividade pessoal.  Ora, como sistematizar uma ciência sem dados tangíveis? Que método usar se não existir o objeto de forma tangível? Aqui, agora, se está usando a linguagem científica e não a da fé. Não existe método sem o objeto e sem o meio apropriado. Obviamente, o que se está dizendo é que o rigor científico das ciências da razão não são totalmente aplicáveis à teologia, independente de ela ser ou não ser ciência. Por isso, o pesquisador de teologia precisa usar de todos os métodos disponíveis para seu estudo, sabendo que, por fim, sua fé se sobrepujará à razão. Algumas observações: a) Em Mateus 16 Jesus faz uma solene pergunta aos discípulos: “... Quem os homens dizem que o Filho do homem é" (vs. 13 NVI)? As respostas contém aquilo que tinham ouvido do povo: João Batista, Elias, Jeremias ou algum outro profeta. Pedro se apressa a fazer uma afirmação de fé e, também, teológica: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (vs. 16 NVI). O próprio Jesus afirma a Pedro que sua resposta foi revelação do Pai. Independente das ciências humanas, a teologia como estudo, só irá declarar o seu escopo com o elemento teológico da fé. Não existe método teológico fora da fé. A teologia, portanto, é voltada para a experiência de fé de cada pessoa, de cada pesquisador. É preciso diálogo, confiança/fé e comunicação entre as duas partes. Uma investiga, a outra se deixa investigar... enquanto lhe aprouver. Em havendo investigação/estudo baseada no relacionamento confiável entre as partes, pode-se sugerir um modelo (não método, pois este é inflexível): investigação e interpretação da história bíblica, a dialética (no sentido de debate entre os comprometidos com a busca da verdade), os fundamentos imutáveis, as doutrinas convergentes, a sistematização elaborada e a comunicação das descobertas. 

Todavia, há que se estabelecer critérios claros na busca do método. Aqui estão algumas sugestões: Há coerência com a verdade bíblica? Tem respaldo histórico com a comunidade apostólica e com a igreja primitiva? É coerente com a fé bíblico-cristã? É conciliável com a razão, sem ferir a fé? É aplicável às pessoas e às igrejas hodiernas sinceras? Isso é assunto para um livro, portanto, não caberia aqui. 

4. A META ÚLTIMA: A VERDADE. O dicionário diz que “verdade é a propriedade de estar conforme com os fatos ou a realidade” (HOUAISS). Nem sempre os fatos condizem com a realidade e nem esta com aqueles. Talvez por isso, há tantos que afirmam que não existe verdade absoluta. É uma questão filosófica. Entretanto, na teologia bíblica, verdade só existe uma. Jesus se auto afirmou ser a verdade (Jõao 14:6). 

A procura do cientista é, sempre, pela verdade... mesmo que seja a sua verdade. O grande problema na busca dessa verdade científica é a possibilidade de entrar, nessa busca, as pressuposições do pesquisador. Fatalmente o resultado será controlado. Embora a ciência pregue que todo cientista precisa se despir de suas pressuposições, isso é totalmente impossível. Principalmente em uma ciência onde a fé sobrepuja a razão... embora as duas devam andar de mãos dadas e apertadas. Assim sendo, o pesquisador teólogo não pode permitir que “suas verdades”, portanto, pressuposições; aviltem sua pesquisa. Ao se deparar com a “verdade última”, é preciso exprimi-la, comunicá-la limpidamente; mesmo que isso signifique abrir mão de suas pressuposições dogmáticas. Afinal, é Deus que se comunica ao pesquisador por meio da Sua Palavra e das pesquisas. As Escrituras só podem corroborar/confirmar a pesquisa e nunca ao contrário. A autorrevelação divina e a fé pessoal são dois elementos essenciais na pesquisa. Sem a autorrevelação de Deus não há teologia, não há fé, não há pesquisa sustentável. Entretanto, se houver esses dois elementos (autorrevelação e fé), a teologia é confiável, até como ciência. Sem a autorrevelação e a fé, não há que se fazer teologia.

Fazer teologia significa buscar a verdade última. E essa verdade só virá de Deus, se houver fé na Sua autorrevelação exarada nas Escrituras. Então, só haverá teologia no sentido verdadeiro do termo, se o cientista crer verdadeiramente naquilo que Deus se autorrevelou aos homens pelas Escrituras, por mais paradoxal que possa parecer. 

CONCLUINDO. É importante colocar que fazer teologia séria pressupõe que o objeto da pesquisa seja as Escrituras Sagradas porque é nelas que o Deus eterno se autorrevelou à medida do seu querer soberano. Significa que o estudioso vai trabalhar e se comunicar com aquele que não é limitado pela falta de conhecimento (Onisciência); que não é limitado pela falta de espaço (Onipresente); que não é limitado pela falta de poder (Onipotente). O grande objetivo e desafio não é alcançar a verdade dos fatos ou do objeto e sim compreender e interpretar A VERDADE ABSOLUTA, O CONHECIMENTO ABSOLUTO, O PODER ABSOLUTO. O verdadeiro teólogo é aquele que absorve, interage e comunica um conhecimento que já está organizado, sistematizado, hierarquizado com mandamentos e leis próprias emanadas do Eterno. Este só vai mergulhar profundamente nesse conhecimento sem fim. Esse é o tipo de conhecimento que não admite ser falseado; pois, não é possível sua verificação científica pelo objeto; ao mesmo tempo, é facilmente verificável pela autorrevelação de Deus nas Escrituras Sagradas. Se as Escrituras não afirmam, então, não é verdadeiro. Isso é teologia. Ciência pura de Deus! Amém.
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BOYER, Orlando S. Pequena Enciclopédia Bíblica. Teologia, p. 603, 1986
BRANDT, Hermann. Por que teologia “científica”? Estudos Teológicos, v. 12, n. 2, p. 94, 1972

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