segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

UM GRITO DEIXADO NO AR: o Suicídio (inclusive de pastores) (5ª Parte)


Depressão II – A depressão “normal”.  As aspas da palavra “normal” são de propósito. Para boa parte de “cristãos religiosos” (sic) o uso desse termo está errado, visto que o cristianismo, segundo Jesus Cristo, é composto de pessoas alegres; pois, o fruto do Espírito contém “alegria”. Isso leva à conclusão de que toda depressão tem sua origem no pecado da pessoa. É o dedo acusatório religioso. Basta um olhar introspectivo que há de se descobrir, ao longo da vida, aqueles “dias sombrios”. Para esses “dias sombrios”, tais cristãos floreiam com eufemismos: solidão, desânimo, desestímulo e outros. A ciência médica e a psicológica definem claramente a depressão dita “normal”. De forma objetiva e direta, a depressão tem sido uma experiência cristã normal. Há inúmeros exemplos bíblicos. O grande problema é: o que fazer quando ela chega? Afinal, o cristão está sujeito a todas as intempéries da vida, como qualquer outro indivíduo. A questão não é, basicamente, a chegada da depressão... mas, a maneira de lidar com ela.

Sei que muitos dirão que esta análise está errada, não se coaduna com a Bíblia. Na verdade, há muita hermenêutica bíblica torta, em função de um cristianismo difuso e anacrônico. A Bíblia admite, sem dar o nome moderno “depressão”, muitos personagem que passaram pelos “dias sombrios” do “vale da sombra da morte”. Jó foi um deles, e os seus lamentos foram profundos e lancinantes. Em 3:20 sua tristeza e amargura chegaram a níveis extremos; em 3:21 diz claramente que anelava pela morte; em 3:26 demonstrava sentir-se totalmente desamparado; em 7:4 diz que se revolvia na cama e não conseguia dormir; em 9:21 afirmou que a sua vida não tinha mais qualquer sentido; em 14:1 demonstrou um pessimismo inquietante; em 17:7 suas mágoas o levavam à somatização.

Há muitos outros. Davi descreve, não poucas vezes sua solidão, angústia e medo. Foram medos de inimigos de guerra e, também, de pecados cometidos (II Sm. 12:15-23; 18:33; Sl. 38:4; 42:11). E Elias, o grande profeta? Demonstrou desânimo, medo e cansaço (I Rs. 19:1-10). Jonas pediu a morte a Deus mais de uma vez (Jn. 4:3, 8-9). Jeremias foi um profeta que sempre lutou contra um contínuo sentimento de frustração, derrota e insegurança de um homem solitário. Não pode casar, ter filhos e sempre foi rejeitado pelo povo. Chorou muito e, até, maldisse o dia do seu nascimento (Jr. 20:14-18). O próprio Jesus, na sua humanidade (natureza teantrópica), numa demonstração inequívoca daquilo que passou em nosso lugar, teve momentos de profunda angústia (Mc. 14:34-36; Lc. 22:44).

Como já dito, muitos cristãos – talvez, a maioria – não aceite esse fato, ou verdade. Todavia, estes se esquecem de que o cristão é gente também. Possui coração, sentimento, sente dor, paixão, amor, ódio.  Como já dito, o grande problema é como lidar com tudo isso. O cristão não é feito de ferro e, quase, inquebrável; nem é despido de humanidade. Diariamente o cristão é afetado pelas vicissitudes da vida, como o não cristão também o é. Por isso, o cristão também enfrenta o perigo, a tristeza, o desamor, as crises, a separação... portanto, pode ficar em estado de depressão. Assim, o cristão que enfrenta causas reais de tristeza, desamparo, solidão, precisa entender que, na sua humanidade, pode passar por tudo isso, tanto quanto um não cristão. Reiterando: o problema é como enfrentar isso.

Ainda há a questão das doenças e acidentes. Nenhum cristão está imune. E elas provocam a depressão. Nesses momentos há uma mais profunda conscientização da fragilidade humana e da fugacidade da vida (Salmo 90). Há uma gradual perda de amor-próprio e da alegria. Isso é normal, também, para o cristão... incluindo-se o pastor. Há os “cristãos religiosos” que, como os amigos de Jó, aparecem nessa hora com expressões absolutamente desnecessárias e desumanas, tais como: “não fique assim, pois Deus fica triste”, ou “tenha fé, Deus é maior” e muitas outras. Tais frases ocasionam, ainda mais, o aprofundamento da depressão. Um abraço, um “chorar junto” e profunda oração de reconhecimento da fragilidade humana e da certeza de que Deus está no controle e tem motivos que só Ele sabe para permitir tais circunstâncias, num reconhecimento da soberana vontade de Deus; fará muito mais bem para o depressivo.

As emoções humanas não são mudadas sob o comando de um botão, não importa qual o nome dado; seja fé, confiança, oração, passeio e muitos outros. Nada melhor que a empatia, o amor sincero, o apoio irrestrito, o orar junto, cantar louvores junto, buscar a Deus junto. Só quem já passou pelo “vale da sombra da morte” pode avaliar o que é o sofrimento da alma. Ainda assim, tais pessoas, ao querer ajudar outros a, também, passarem pelo mesmo “vale”, precisa entender que as pessoas são absolutamente diferentes em suas emoções. Os problemas podem, até, serem os mesmos... mas, as reações podem ser diferentes. Por isso, nenhum julgamento pode ser feito.

Inexistem vitórias sem lutas na vida do verdadeiro servo de Deus. Daí, que essas lutas, não poucas vezes, pode levar a encruzilhadas e, até, beco que pareçam sem saídas. E isso, sem dúvidas, pode levar a depressão. Não perceber isso é chafurdar-se em lamas onde o mover pode tornar-se difícil. A negação do problema é muito pior. O afirmar que é pecado só traz mais culpa e aumenta a depressão. Orar, orar e orar... jejuar, jejuar e jejuar só leva a mais desespero. Ninguém está dizendo que não se deve orar ou jejuar. Sim, é necessário sempre e em qualquer situação. Aliás, o cristão precisa orar sempre (I Ts. 5:17). Todavia, quando a falta dela é colocada como motivação da depressão, a situação tende a piorar; pois, o sentimento de culpa é aumentado. A luta irracional contra a depressão leva a um aprofundamento da crise. A primeira e principal coisa é: admitir a depressão.

Há um livro, muito lido antigamente e pouco conhecido dos crentes atuais, intitulado “O Peregrino”. Seu autor é John Bunyan. Um dos capítulos mais ilustrativos da situação deste artigo é o episódio “Pantanal do Desespero”. Estimulo você a procurar o livro e lê-lo. Preferencialmente lê-lo todo... mas, em especial o referido episódio. Ele espelha abençoadoramente a questão. O cristão precisa entender, definitivamente, que “pertencer” a Jesus Cristo não produz imunidade automática contra os males da mente, da alma, das questões emocionais. As lutas do “vale da sombra da morte” são “normais” a todos os seres humanos, inclusive para os “filhos de Deus”. Estas podem ser resolvidas somente com muito apoio, amor, empatia, compreensão. Um “pegar na mão” e colocar as coisas no trilho com muito amor... sem pressa. Pode-se precisar de ajuda profissional? Sim, muitas vezes. Cada caso deve ser analisado individualmente e à luz da Palavra de Deus. Com oração também? Claro, sempre. Mas, é preciso distinguir claramente as causas naturais e inerentes ao ser humano e as causas espirituais. Nem sempre é fácil... mas, necessário.

Mas, existe a depressão que não é normal? Aquela que é produto de neuroses e que precisa de ajuda altamente profissional e, quase sempre, demorada? Sim, existe. Será assunto do próximo artigo.


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